quinta-feira, 2 de agosto de 2012
![]() |
Nas diferenças somos todo Iguais... |
Num
mundo de diferenças
A tela se abre e aparece a imagem de
várias crianças negras, meninos e meninas. Na frente delas duas bonecas: uma
branca e outra negra. No fundo uma voz de homem faz as perguntas: qual das
bonecas é negra, qual é bonita, qual é má, qual é legal, qual é feia e
finalmente, qual era a que se parecia com a criança questionada. Para todas as
questões que se remetia a beleza e gentileza as crianças, meninos e meninas,
apontavam para a branca e quando questionadas sobre o porquê, elas respondiam
porque as bonecas eram de pele branca e olhos azuis. Para as perguntas que se
referiam a cor, maldade e feiúra, estas associavam as bonecas negras. Esse
vídeo tem duração de 1’08 e circula no canal Youtube.com desde março de 2009,
com mais de 210 mil acessos.
Esse vídeo nos remete a uma discussão que não
encontra espaço nos periódicos tradicionais e só pode ser aqui comentado por
conta de mecanismos alternativos de comunicação. Afinal estamos falando de
temas muito caros para a sociedade brasileira e que não necessária e
intencionalmente está na “boca do povo”, mas existe de forma cada vez mais
sutil. Estamos falando de racismo, mídia e infância na sociedade brasileira e
como a construção simbólica do um modelo do que pode ser o belo desencadeia e reafirma
o racismo.
Segundo pesquisa da Fundação Perseu Abramo, em
2004, 87% dos brasileiros reconheciam o racismo no país, mas apenas 4% se
reconhecia como racista. No entanto, há algumas semanas, em Belo Horizonte , uma
menina negra de 4 anos foi agredida pela avó de um menino branco que
questionou, aos gritos e na frente de toda a sala de aula o por que de terem
deixado o neto dela dançar quadrilha com “uma negra e preta horrorosa e feia”. A diretora da escola, que é
particular, sequer fez qualquer gesto para evitar o crime, tampouco informou
aos pais da menina o ocorrido. O caso só veio à tona porque a professora, que
testemunhou tudo, inconformada com a situação, pediu demissão e denunciou à família
da menina o que ocorreu. O caso está sendo apurado.
Mas como uma pessoa se torna preconceituosa? Como uma
pessoa se torna racista? Já é sabido que as crianças nascem sem qualquer
conteúdo preconceituoso, como bem afirmou Nelson Mandela "ninguém nasce
odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou ainda por sua
religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se podem aprender a
odiar, podem ser ensinadas a amar". Os conceitos preconceituosos, sejam
eles machistas e racistas, especialmente, bem como outros, são incutidos por
meio de influências ou vivências com outras pessoas, especialmente no ambiente
familiar e escolar. Não raro vemos crianças que, ao voltar da escola,
apresentam “falas” que destoam do ambiente familiar, e que externam uma
associação da cor negra com a sujeira. Outras seguem o caminho contrário, já chegam
na escola com essas falas.
Daí a importância de pais, mães e educadores estarem
atentos a estas questões. Pois é na infância que se dá o desenvolvimento dos
valores, que são absorvidos com mais intensidade e também onde os estereótipos
raciais vão sendo sedimentados. Neste momento é muito importante a atenção e o
cuidado com os brinquedos e os programas televisivos que serão disponibilizados
às crianças, especialmente por conta do conteúdo publicitário dirigido a elas.
Segundo o Instituto Alana, organização não governamental de defesa dos direitos
das crianças e dos adolescentes em relação ao consumo em geral, bem como ao
excessivo consumismo ao qual são expostas, as crianças são mais vulneráveis que
os adultos e sofrem cada vez mais cedo com as graves consequências relacionadas
aos excessos do consumismo, por estarem em pleno desenvolvimento.
A influência da publicidade é percebida na escolha
dos produtos, na maioria das vezes brinquedos e alimentos, que são feitos pelas
crianças quando em contato com essas informações direcionadas e abusivas. Ao
contrário dos meninos que são sempre desafiados a ultrapassar limites, explorar
as habilidades do corpo e do espaço, às meninas são reservados os brinquedos
que remetem ao cuidado com os outros seres, com os cuidados excessivos e
precoces com o corpo, e não com elas mesmas, e à casa sempre em forma de
castelo. Há sempre uma predominância da cor rosa, que é o delicado, em
contraponto ao azul, que remete a fortaleza e conhecimento, dos meninos. Isso ultrapassa
as cores das roupas e vai até a representação simbólica de diferenciação de
gênero, apesar das diversas matizes de cores. E para além e juntando tudo isso
a representação das bonecas, uma peça exclusivamente do feminino, com a
definição de que o que é belo é o corpo magro e esguio, loiro, traços finos e
olhos claros, ainda que sejamos um país marcado pela miscigenação. Dessa forma,
sutil, pulverizado e constante, os conteúdos racistas e também machistas vão
entrando nos lares brasileiros sem nem mesmo os pais e mães se darem conta.
No entanto, um aspecto que merece toda a atenção da
sociedade, uma vez que as crianças são seres prioritários para o Estado, com
direitos assegurados na Constituição e no Estatuto da Criança e do Adolescente,
são os efeitos que o racismo e a discriminação racial têm na infância de
crianças negras. Para estas meninas e meninos o impacto da publicidade
excludente é muito mais nocivo do que para as de cor branca. Isso é percebido na
negação dos próprios atributos físicos como cabelos, pele e nariz, na negação da
própria negritude explicitamente, num exercício de distorção da auto-imagem; ou
ainda na rejeição da própria família devido à vergonha da aparência de seus
entes.
Para a psicóloga Roberta Federico, as crianças
reproduzem o que vêm no contexto social, de forma explícita ou velada. “Não é
preciso que se diga explicitamente para uma criança que as pessoas negras têm
menos valor que as pessoas brancas para que ela absorva essa ideia. Basta
colocá-la diariamente diante de qualquer canal de TV brasileira, onde
dificilmente ela se verá representada de maneira positiva”, explica.
Em cima disso, o Doutor em Comunicação pela ECA-USP e
cineasta, Joel Zito Araújo, faz uma reflexão sobre as vantagens de se nascer
branco e as desvantagens de se nascer negro no Brasil. “O espelho que é
colocado diante de uma criança negra diz: ‘ Você é feio, você pertence a uma
raça inferior, você é a imagem da pobreza, você está destinado à
subalternidade’. Enquanto o espelho que é colocado diante de uma criança branca
diz: ‘Você é lindo, você é superior, você é predestinado’”. No seu discurso de
ideologia do branqueamento ele diz que a mídia exerce um papel fundamental na
nossa não discussão sobre o tema do racismo.
No entanto, a discussão do racismo está posta na
mídia só que em dois lugares, seja nos jornais, nas telenovelas, no cinema ou
outros meios. O primeiro é o lugar da invisibilidade. E o segundo é o do
rebelde, dos filhos rejeitados e excluídos, das empregadas domésticas, dos
serviçais. Às crianças negras, são sempre as deseducadas, as sem inteligência,
as ligadas à malandragem e que, atualmente aparecem apenas para cumprir o
parâmetro da diversidade. Enfim, adultos e crianças sem quaisquer
possibilidades de ascensão social. “Todos eles, portanto, são obrigados a
incorporar na televisão a humilhação social que sofrem os mestiços em uma
sociedade norteada pela ideologia do branqueamento, em que a acentuação de
traços negros ou indígenas significa a possibilidade de viver um eterno
sentimento racial de inferioridade, e uma consciência difusa e contraditória de
ser uma casta inferior que deve aceitar os lugares subalternos intermediários
do mundo social”, afirma Araújo.
Os
números da violência
Apesar do país não se considerar racista, as
pesquisas dizem o contrário. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE) apontam que, em 2010, 54,5% de todas as crianças e adolescentes
brasileiros são negras ou indígenas, ou seja, 31 milhões de meninas e meninos são
negros e 140 mil são crianças indígenas. Vinte e seis milhões vivem em famílias
pobres, representando 45,6% do total de crianças e adolescentes do país.
Desses, 17 milhões são negros. Entre as crianças brancas, a pobreza atinge
32,9%; entre as crianças negras, 56%. A iniquidade racial na pobreza entre
crianças continua mantendo-se nos mesmos patamares: uma criança negra tem 70%
mais risco de ser pobre do que uma criança branca.
No caso das mulheres, além das violações comumente
sofridas pela condição de pobreza e outras, há aquelas situações de violência
exclusivamente por serem mulheres, e isso insere as meninas. Segundo ela, nem todas as pessoas e nem todas
as mulheres estão expostas à violência da mesma forma. Alguns grupos de pessoas
têm muito mais chances de sofrer violência e, determinadas violências, que
outros como é o caso de meninas e mulheres negras. O que caracteriza a sociedade
brasileira enquanto ente machista, racista, elitista, heteronormativa,
adultocêntrica, urbana onde os processos de violência e os impactos são vividos
de maneira diferente pelas mulheres e são reveladores das condições de vida,
bem como das circunstâncias a que estão submetidas enquanto sexo, raça, idade,
lugar onde moramos, orientação sexual, etc.
No que se
refere a violência física e sexual, embora o estudo “Sistema de Indicadores de
Percepção Social (SIPS) sobre igualdade de gênero 2010” realizado pelo IPEA tenha
revelado que a maioria das pessoas entrevistadas considera que a violência
contra a mulher é de responsabilidade da sociedade como um todo e que as
agressões devem ser investigadas pelo Estado mesmo que a mulher não queira,
dados do PNAD/IBGE apontam que 2,5 milhões de pessoas com mais de 10 anos de
idade já sofreram algum tipo de agressão em 2009. Destas, pelo menos 40% eram
mulheres e 1/3 delas foram agredidas por parentes, companheiros ou
ex-companheiros, responsáveis por mais 25,9% do total de agressões[1].
Já pesquisa da Fundação Perseu Abramo realizada em
agosto de 2010 revelou que a cada 2 minutos 05 mulheres são agredidas
violentamente no Brasil e que pelo menos 7,2 milhões de mulheres com mais de 15
anos já sofreram agressões desde 2001. No tema da exploração sexual, as vítimas
desse tipo de crime, em sua grande maioria, são adolescentes entre 15 e 17 anos
de idade, quase sempre negras ou indígenas, segundo Pesquisa sobre Tráfico de
Mulheres e Crianças para Fins Sexuais (Pestraf), 2001.
Tal situação reforça
o pleito de parte da sociedade civil que vem discutindo os temas da violação de
direitos de crianças, adolescente e mulheres de que é necessária uma presença,
cada vez maior do Estado por meio de políticas públicas efetivas e contínuas. Por
outro lado, faz-se necessário e urgente também reconhecer que as situações de
violência não são questões a serem discutidas e resolvidas entre quatro paredes.
Ela é um problema não da relação privada, mas uma questão pública e até
civilizatória, porque não é possível o avanço de qualquer sociedade enquanto
houver desigualdades entre homens e mulheres.
Texto por: Rosely Arantes,
Jornalista, educadora
popular, Especialista em Gestão
Estratégica Pública pela Unicamp, roselyarantes8@gmail.com
[1] Fonte:
Chaga Social: 767 mulheres são agredidas por dia no Brasil (http://mariadapenhaneles.blogspot.com/2011/02/chaga-social-agressao-de-mulheres.html
capturado em 29.02.2011)
Assinar:
Postagens (Atom)